sábado, 30 de junho de 2012

Lenine

[clicar]
Uma casa... e outra casa. 
Passaram cinquenta anos.
Entre ambas, como se vê, um poste simples de electricidade.
Tinha razão, o Lenine!

Linhas tortas

Dizem os noticiaristas que um par de populares sequestrou na Covilhã o super-ministro Álvaro.
E destas duas possíveis, só uma é que é verdadeira:
- ou o Relvas, bem capaz disso é ele, mandou montar a cabala, porque há-de lamber-lhe o sumo...
- ou o comité central sustenta que o povo ganha com isto, e é mentira.
A menos... deixa cá ver! Há um ano e meio atrás, o comité central correu com o governo velho, e abriu as portas ao novo. Na ideia de encurralar um dia o Álvaro na Covilhã, e chegar-lhe a roupa ao pêlo. 
Finalmente percebi como é que, por linhas tortas, se escreve tão direitinho! 

Sentença

Só o amor e a arte justificam a vida.
Outras coisas a alimentarão, mas não a justificam.

Quitação

Este blogue tem três leitores dependentes, seis devotos e uma dúzia de romeiros. Foi isso, nem mais nem menos, que o seu autor um dia desejou.
Aqui há tempos passou por um túnel do comboio fantasma, a tropeçar na escuridão e nas teias de aranha. Durante o longo silêncio, nenhum deles desertou.
A produção frenética do mês que agora finda é disso prova e razão. É prova de que o túnel já passou. E é razão deste apreço e gratidão.

A dois amigos alemães

Que guardo no coração.

!!!

Ravel - Bolero - Béjart

Encore7

Bartoli - Bizet - seguidilha

O biltre

Diz o Relvas que o relatório do Magno da ERC foi feito por técnicos. É claro e terminante, e não deixa quaisquer dúvidas.
A questão da chantagem sobre a jornalista está, portanto, resolvida. Os portugas é que têm mau perder!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Mulheres de Espanha

Há três maneiras de responder aos banqueiros: uma é a tiro, outra é cuspir-lhes no focinho, e a terceira é a melhor. 
Ai mujeres de España!
Ai vendavales!
Ai bernardas albas duma cana!

Ecos da Sonora - XLIV

O que tiveres a dizer, (ou mais exactamente aquilo que não podes deixar de dizer!), é a primeira coisa fundamental. A segunda coisa fundamental é o modo como o dizes. 
E não há mais segredo nenhum na literatura.
Escritor é aquele que tem lá dentro alguma coisa que não consegue deixar de dizer. Uma espécie de assunto de alma. O mais certo é que já tenha sido dita alguma vez, que seja uma repetição do já ouvido, tantas são as vozes que há no mundo. Mas se for uma coisa que tu não podes calar, então, e só então, conseguirás dizê-la de um modo nunca usado. 
E assim deixou de haver repetição inútil. Porque disseste a mesma coisa, dum modo inovador. O que não é igual. 
Um mestre disse que oitenta por cento da literatura é linguagem. Isto é, são as palavras e o modo de as usar. Porque nada se desgasta tanto, e tão depressa, como as palavras que infatigavelmente rolamos na boca a toda a hora, tão linguarudos que somos. Só a arte as salva do aniquilamento e da rotina.
Quem não tiver lá dentro alguma coisa que ainda não foi dita, ou, tendo-o sido, a não diga dum modo que nunca foi ouvido, não passa dum tarimbeiro escrevente, cujo único gesto útil é calar-se. Só pode passar a vida a desfiar linguados de prosa para alienar consumidores, como agora se designam os leitores.
Neste seu primeiro livro, João Ricardo Pedro conta do já ouvido: a nossa vida, muitíssimas vezes já falada. Mas fá-lo de um modo novo, nunca ouvido. A criação literária é isto. E o que isto não for, não passa dum embuste que dá sono.
Vai lê-lo, que te divertes, e emocionas, e aprendes. Que mais queres tu?! Aqui te fica um abre-boca.


Certa vez, no Norte de Angola, debaixo de um calor infernal, o então tenente-coronel António de Spínola, na companhia do capitão Leandro Carraça, do furriel António Mendes e do soldado Jacinto Marta, ordenou a este último que parasse o jipe. Por cima das densas copas das árvores adivinhava-se um céu de chumbo e, apesar de serem três e meia da tarde, seguiam de faróis acesos. O soldado Jacinto Marta obedeceu prontamente à ordem, e o tenente-coronel António de Spínola apeou-se num salto aparatoso, sem, no entanto, deixar cair o monóculo e o pingalim. Depoias virou-se para o capitão Leandro Carraça e para o furriel António Mendes e pediu-lhes que fizessem o favor de o seguir.
O Capitão Leandro Carraça, no tom ponderado que lhe era habitual, fez notar que talvez não fosse boa ideia o soldado Jacinto Marta ficar ali sozinho e sugeriu que o furriel António Mendes permanecesse, igualmente, junto da viatura. Argumentou, ainda, mas agora num tom irónico que não lhe era nada habitual, que dois oficiais bastariam para resolver o assunto. (...)
O tenente-coronel António de Spínola conhecia muito bem o capitão Leandro Carraça e admirava-o, também, por essa característica. Esteve prestes a sugerir-lhe que fosse resolver o assunto sozinho, mas temeu ser mal interpretado. Desapareceram os dois no meio do mato.
Dentro do jipe, ansioso por usufruir da liberdade que lhe conferia a momentânea ausência dos dois oficiais, o soldado Jacinto Marta aproximou-se do furriel António Mendes e perguntou-lhe baixinho, com a boca quase colada ao ouvido, se achava que o tenente-coronel António de Spínola, antes de se pôr a mijar, tirava as luvas. O furriel António Mendes riu-se e confessou-lhe que desconhecia por completo o que diziam os regulamentos militares a esse respeito e nunca tivera o privilégio de assistir à forma como o tenente-coronal António de Spínola os cumpria. Acenderam, cada um, o seu cigarro.
O soldado Jacinto Marta perguntou ao furriel António Mendes se achava que o tenente-coronel António de Spínola e o capitão Leandro Carraça iriam convencer o sargento Raul Figueira a descer da árvore e a voltar para o aquartelamento. O furriel António Mendes respondeu que o tenente-coronel António de Spínola era um militar muito persuasivo e o capitão Leandro Carraça era um homem bom, e que essas duas qualidades juntas talvez conseguissem demover o sargento Raul Figueira da ideia de ficar a viver em cima duma árvore até a guerra acabar. Além disso já tinham passado três dias, e o homem devia estar cheio de fome e de sede. (...)
Já de pouco valia continuarem debaixo do jipe, mas o furriel António Mendes teve a sensação de que iriam ficar ali para sempre. Depois de um longo silêncio, um silêncio que não era de todo um silêncio, por causa da chuva, por causa das árvores, por causa do barulho do motor, por causa do gato Joseph, por causa do gato Ezequiel, por causa dos bichos todos mais o sangue a escorrer pelas pernitas da Isaura, um silêncio que, ainda assim, era um silêncio profundíssimo, ouviram-se duas pancadas fortes desferidas sobre o capot do jipe e a voz do tenente-coronel António de Spínola a perguntar se aquilo era algum exercício militar, se, por acaso, a viatura apresentava algum problema mecânico. (...)
E, nesse momento, a cerca de vinte metros, surgiram dois vultos: o capitão Leandro Carraça e o sargento Raul Figueira que caminhava com extrema dificuldade - nada de estranhar em alguém que vivera os últimos três dias empoleirado numa árvore. (...)
Os cinco militares, completamente encharcados, montaram no jipe: o soldado Jacinto Marta ao volante, o tenente-coronel António de Spínola a seu lado, o furriel António Mendes, o sargento Raul Figueira e o capitão Leandro Carraça no banco de trás.
As bátegas de água fustigavam-nos violentamente, e o caminho de terra parecia, agora, um autêntico rio de lama. O soldado Jacinto Marta apresentava notórias dificuldades em controlar a viatura, e nem a presença de um dos mais altos graduados de toda a hierarquia militar portuguesa o inibia de interpelar, alternadamente, e com igual devoção, S. Jerónimo, Nossa Senhora da Conceição e a cona da tia Alice. (...)
O soldado Jacinto Marta olhou-o sem entender. 
O tenente-coronel António de Spínola soltou uma gargalhada e explicou-lhe que (as três velas) eram para ele acender, em forma de agradecimento, aos seus três protectores: S.Jerónimo, Nossa Senhora da Conceição e a outra, de que, por razões óbvias, ele não se sentia em condições de pronunciar o nome. (...)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Avanti popolo alla riscossa!

O financiamento directo da choldra impudente dos bancos, que deixa de passar por dívida pública;
A Alemanha que voltou para casa;
O Proença que vai dirigir a final;
A figura cada vez mais patética do Passos/Gaspar;
A crista murcha do Relvas, que vai ter que ir desenrascar-se ao parlamento;
Uns vagos sinais de resistência no PS, à direcção do manso do Seguro...
Parece que ficam ainda por pagar umas malfeitorias duns bandidos da quadrilha do Cavaco no BPN, mas não se pode ter tudo! 
Com tais notícias, o melhor é não lhes dar tempo, ouvir a tarantella da Bartoli - Rossinie apanhar já um pifo de contentamento!
Antes que se descubra que nada disto é verdade!

Encore8

Bartoli-Vivaldi-Agitata da due venti

Ecos - 9***


O finamento da tia inocência deixou-me nas mãos uma herança apetitosa, que resolvi festejar com lavagante. Corri à frutos do mar e logo me atendeu um moço radiante, de prazenteiro lápis em riste.
Escolhi uma mesa em frente do aquário, para não perder nenhum pormenor da função, e vi perfeitamente o que se passou. O rapaz foi metendo sorrateiramente o braço na água, direito aos gorgomilos do bicho, enquanto a fera assobiava para o ar, encostada a um calhau. Apenas entreabriu uma das pinças, como quem solta a patilha da espingarda. E, quando teve ao alcance a mão do moço, logo lhe trinchou uma falangeta.
Apanhado de surpresa, o rapaz levou uns minutos a recompor-se, mas acabou por arregaçar as mangas e voltar à carga. E foi num ai que se achou sem o resto do polegar.
Eu fiquei ainda mais aflito do que ele, já via o pobre do sujeito a ficar maneta de todo. Procurei contemporizar e sugeri-lhe que me trouxesse uns pés-de-burro. Mas o estardalhaço que se levantou lá do fundo, atrás da tina dos lamelibrânquios, não prenunciava nada de bom. E eu só percebi a razão daquilo tudo quando o rapaz voltou desfigurado, um fio de sangue a alastrar entre os olhos. Tinha apanhado um belíssimo coice na testa.
Ainda lhe pedi umas cadelinhas mas o desgraçado capitulou, à medida que foi perdendo sangue. Sentou-se, pálido, ao meu lado, e encarregou-me de mediar o conflito. Que fosse conferenciar com o crustáceos, e descobrisse um modo de transpor acção tão radical.
No concílio que se seguiu usei da melhor diplomacia, mas tudo foi em vão. O lavagante não estava disposto a abdicar do estatuto nem dos pergaminhos, sustentava que a tetravó fora íntima das baixelas de luís xiv e dos cardeais de roma. E quase me calou, ao gritar que não se sujeitava aos modos das turbas do bairro, que apareciam ali de calção plebeu e perna peluda exposta, de palitinho no dente.
Ainda esbocei protestar com as leis do mercado e do mundo moderno. Mas logo as ostras, completamente fora da ordem de trabalhos, impuseram a questão da poluição geral das águas, que dizimava colónias inteiras. E todos vociferavam contra o exagerado esforço de pesca no aquário, e contra as desleais artes do camaroeiro.
Dispenso-me de relatar tudo quanto foi dito, a gritaria era muita e a desordem ameaçou instalar-se por mais que uma vez. Mas ouvi ainda aludir ao mercado negro de armamentos, pelos vistos já havia emissários na líbia, enquanto não fosse obtido um contrato exclusivo com o pentágono.
Retirei-me das negociações com um aperto na alma, afinal a crise era mais profunda do que imaginar se podia. Procedi a uma reflexão madura durante o resto da semana, e de pouco me serviram os contactos que mantive com a gerência da frutos do mar. Acabei por entregar o caso ao secretário-geral das nações unidas, não me passava pela cabeça que fosse tão radical o desencontro entre comedores e comidos. E lamentei afinal a morte da tia inocência. Quem irira supor que o sossego do mundo dependia assim de mãos tão frágeis e enrugadas.
***Eco de 2002

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Encore6

Rossini-Bartoli-Barbeiro de Sevilha

Cretinice e indigência

A tv-cabo trazia a casa a netcabo e o sinal de televisão. Quando me rendi às liberdades da banda-larga simples, rescindi o contrato.
Vieram dois brasileiros, cortaram o cabo, resolveram a questão. E eu fiquei desobrigado de olhar para a televisão, e não senti grande perda.
Só que há ecos de rotinas e habituações antigas que barafustam e não se querem calar. Sempre que podem impõem a sua lei. Se durmo fora, se visito alguém, parece até que fui matar saudades da magana. Foi o que ontem sucedeu.
À falta de melhor na concorrência, dei comigo na 2, a ver o 5 para a meia-noite. Uma coisa aí da chavalada, muito solta, muito desinibida, muito jovem, muito fresca, muito irreverente, com muitos tiques de falsa modernidade, era o que a lembrança me guardava.
Vai-se a ver e tudo aquilo é uma tristeza deprimente, uma rasquice reles, quem sabe se à pala de serviço público. Um exercício de cretinice militante e embrutecimento geral, disfarçado de humor e criatividade. Mal por mal, antes a concorrência! Mal por mal... nem sei o que recomende!
Afinal não ter televisão em casa é ficar-se livre duma das formas mais agudas da indigência, que anda por aí a rondar-nos as portas.

domingo, 24 de junho de 2012

Encore5

Schubert - Serenade

No Porto

Foi a vez da maralha toda do S. João baptizador sair à rua!
O Cavaco parou no meio do rio a olhar para o balão
e contou a sibilina parábola das cadelas apressadas que parem os filhos cegos
a propósito duns tipos que andam aí com muita pressa
e depois tropeçam na calçada
e partem o focinho
o deles e mais o nosso.
Tudo isto à conta de Passos e Gaspar, pois quê, explica-nos o santo!
É o que nos vale.

Ah, meu velho!

"É um fenómeno curioso: o país ergue-se* indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto.
Falta-lhe o romantismo cívico da agressão.
Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados."
*levanta-se da cama

[Miguel Torga]

Aqui há uns quarenta anos, um dia, ou uma noite, já não sei bem, a coisa foi diferente, hás-de lembrar-te. O romantismo cívico da agressão chegou-nos duma vez, com a redenção num alforge.
Mas o que te está a escapar é o calibre dos nossos loureiros, dos cavacos, dos limas, dos isaltinos, dos barretos, dos mouras, dos catrogas, dos moreiradasilvas, dos ângelos, dos arnauts, dos amarais, dos barrosos, dos varas, das cardonas, dos trânsfugas, dos oportunistas, dos mixordeiros das leis, dos precários da informação, dos pedófilos que levam para a cama a liberdade a democracia e a lei para as violarem no escuro, o que te está a escapar é o calibre dos nossos portas, dos nossos passos, dos nossos gaspares, dos relvas, ai, dos nossos relvas.
Lembras-te do Pedro de Alfarrobeira, o das sete partidas, lembras-te do Damião de Góis do pensamento novo, lembras-te tu do Pombal, essa bestiaga iluminada e útil, lembras-te de tantos outros, lembras-te de ti próprio? Lembras-te do que nos fizeram a essa gente toda?!
E ainda te lembras do Sócrates?! O gajo era uma besta como todos nós, passava a vida a cometer erros, a enganar-se, às vezes a ser enganado! Lembras-te dos sete anos de ódio personalizado que nele concentraram, das barragens de artilharia múltipla a que o submeteram, do fogo lento e constante em que o foram queimando? 
Não se via coisa assim há muito tempo. Mas a História repetiu-se, até que nos levaram a queimá-lo. Foi o último governo que tivemos digno desse nome, que nos alimentaria os vícios mas nos cultivava o amor-próprio, em vez de nos fazer corar e ter vergonha de tanta decadência. 
O que te está a escapar, meu velho, é que até uma Oposição de mansos, que uns são andróginos e outros hermafroditas, toma parte no festim. E com romantismos cívicos não se mata a fome aos filhos.

Em Amarante

[clicar]
A tropa do São Gonçalo desceu a terreiro!

sábado, 23 de junho de 2012

Como eu te compreendo, ó Relvas!

Andou aí uma brava jornalista a pôr-te ao sol umas trafulhices íntimas, uns joguitos com uns manhosos da secreta, a ladrar-te às canelas e a gastar-te o tempo e a paciência. Quando afinal és tu o patrão daquilo tudo, o gajo que tutela, o sol que demarca as sombras, o diapasão dos tenores, o metro-padrão da lei!
Tu mandaste-a calar ao telefone em modo de alta-voz, ameaçaste o jornal com o blackout às fontes, chegaste a chantageá-la que lhe estendias na Net umas coisitas privadas. 
E a mocita a resistir. Uma ranhosa estúpida e precária, que ao fim de 500 anos de tradição gloriosa ainda não percebeu esta verdade elementar: neste teu país, ó Relvas, só o poder e os marginais podem dizer a verdade. O poder diz a verdade oficial, e os marginais balbuciam a sua, enquanto der. Só porque já não dependem de ninguém, nem têm carreira a construir, nem cátedra nenhuma a conquistar, nem trabalho a defender, nem filhos a sustentar. Porque já são marginais.
Tu a telefonares-lhe à direcção do jornal a apresentar desculpas, a fugir a crispações para evitar fogos maiores, tu que és o patrão daquilo tudo e a ranhosa a resistir, onde é que já se viu uma coisa assim.
Sabes que mais? Fizeste muito bem e eu compreendo-te! Tão bem que até te vou contar um episódio meu, no qual, mal acomparada, se viveu coisa parecida.
(Continua)

Ecos - 8***


Acreditareis se vos disser que fiquei em grande sobressalto, quando acordei de manhã cercado por um destacamento de pulgões, que me entraram pela porta do terraço. Estremunhado e confuso, terei feito a figura que se imagina. Porém, chegando à fala com o comandante daquela tropa, que era um sargento, fiquei a saber das razões de tão estranho caso, e fui informado de que estavam ali para me dar voz de prisão.
A minha intenção era boa, e dispenso-me de explicar por que resolvi plantar um pé de salsa num vaso, ali ao sol do terraço. Quis trazer o campo para a cidade, mas estava longe de imaginar em que fadários me enrolava.
O pé de salsa começou a crescer, tenro e mimoso como é da sua competência, mas um dia descobri que uma praga de pulgões tomara conta dele. Eu respondi com a bomba de shelltox e não pensei mais no assunto. Quando tudo voltou a acontecer, ainda retaliei com dose redobrada, por tal modo que o pobre pé de salsa parecia um pinheiro de natal, afogado em químicas brancas. Desisti mesmo de usar a erva na cozinha, pelo menos enquanto o inverno não viesse lavar aquilo tudo. Mas os pulgões não desarmaram, e pela terceira vez tudo voltou ao mesmo. Ciente, enfim, da grande força do que tem que ser, desisti de combater a praga, e abandonei o arbusto à sua sorte. Os pulgões devorá-lo-iam até às raízes, acabando exterminados pela própria gula.
Muito se engana quem cuida. Pois o destacamento que estava ali para me prender era a resposta ao meu desleixo comodista, era a vingança das minhas cínicas maquinações, disse-me o sargento. Havia não quê de direitos adquiridos, e não sei quanto de legítimas expectativas a caminho de se frustrarem.
Desarmado por tão irrecusável narrativa, só vi uma saída. Fui buscar a caderneta dum vago tenente de bigodes que o mofino desfecho de la lys me deixara em herança, e recusei dar-me à prisão por um sargento. Lembrei-lhe que não havia em curso processo revolucionário algum, que o último já passara havia muito, e que ninguém pode ser preso por patente inferior. Na verdade pouco tenho ido à rua ultimamente, e não estava seguro de haver ou não outra revolução, motivo é o que nunca falta. Mas o facto é que o inimigo não contava com esta arma secreta e vacilou perante a manobra, senti-o perfeitamente. Eu levantei-me para explorar a débil vantagem, enquanto ia dissertando sobre regulamentos. E a tropa lá retirou para o terraço sem mais desacato, certamente para fazer o relato da missão ao general. Quanto ao resto, quem viver verá, foi o que à saída me deixaram dito.
Eu fico à espera dos lances seguintes. Aguerridos como já se viu, os pulgões estão por hora confinados ao terraço, talvez me dêem tempo para as manobras de resistência adequadas ao caso. Além disso o pé de salsa um dia vai esgotar-se e eu terei a meu favor a ruptura de abastecimentos do inimigo. Não é fácil subir rações de combate pelo algeroz do terceiro andar, e menos ainda caixas de munições. Se vir o caso mal parado, terei de recorrer aos medianeiros da onu. O que eu não quero é ter de voltar aos bombardeamentos aéreos do tempo da guerra na guiné.
***Eco de 2002

Mais coisa menos coisa

É realmente assim!

Encore4

Bartoli-Bellini-Casta Diva

Pastiche dum filho de pátria reles

Julgaste, Razão dura, que as sereias
São invenções pagãs e mentirosas,
Já que em práticas vãs e descuidosas
Teus incautos sentidos lhes franqueias.


Já viste mil muralhas, mil ameias,
Vencidas em batalhas suspeitosas,
E férreas Tróias mil, desventurosas,
Caídas nos ardis em que te enleias.


As claras transparências que já viste
E o brando rir das puras alegrias
Vencidos vão duns olhos docemente.


Pois que em tal desatino assim caíste
Justo será que antigas louçanias
Sejam agora amargo fel presente.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Naufrágio

O descalabro das contas públicas destes aventureiros é inevitável e não surpreende. Os mesmos barões inúteis que os enfunaram ao poder, num processo vergonhoso e atraiçoando o interesse do país, dão o caso por arrumado.
É na radio que oiço um velho triste, o Catroga, referir a questão e apontar o dedo ao Sócrates. Ainda e sempre. Mas a troica adiantará oportunamente um complemento de auxílio, dizem eles, porque as causas do falhanço não são imputáveis ao país, e menos ainda aos capatazes deste governo. De forma que não é drama nenhum, 'tá tudo bem, durmamos descansados.
A decadência e a desfaçatez desta escumalha não lhe permite sequer respeitar-se a si própria. Mete nojo, dá vergonha. Nenhum resgate da troica os salva do naufrágio. 
A única salvação deles é que nós também já temos o nosso naufrágio integrado no ADN colectivo há muitos séculos, que eles nos enxertaram. Por isso nos cultivaram e cultivam como somos, fadistas mansos, chulos, fatalistas, pimpões acagaçados. Corremos o mundo inteiro, corremos a pé a Fátima, nunca os corremos a eles. A tiro e duma só vez.
   

Boas notas!

Úteis sempre!
Assim escorreitas e sem as pechas da pressa, muito melhor!

Se podes olhar, vê! Se podes ver, repara!***

A nata desta nação está imprópria para consumo. Nunca nos fez bem às tripas! Mas desta vez, com descarado desplante, vai levar-nos à urgência hospitalar.
Belmiro de Azevedo falando lá de fora, em entrevista recente, sobre emprego e desemprego, desafia os portugueses a fazer "algum esforço":


Hoje não está em causa "emigrar" mas "viajar".
Os homens e as mulheres de 60 vinham em condições muito piores e até levavam uns tiros na fronteira. Agora vêm de jacto e nem assim querem vir.
(...)
O problema do desemprego resolve-se muito bem, desde que as pessoas façam aquilo que é óbvio. (...) 
Mas Portugal não se habituou. 


***Do Livro dos Conselhos, do José Saramago, antes de fazerem dele um manipanso

Já agora!

Se não é pedir demasiado aos colegas da supervisão, ponham lá os nomes na quadrilha, porra!
Aqui a malta suspeita que o Cavaco é o Padrinho dessa mafia toda.
Mas a besta do Passos anda para aí a dizer que os comilões somos nós!

Ó Portas!

Atão agora a JP Sá Couto trabalha com a Telefónica espanhola nos célebres Magalhães da América Latina?!
Atão o Sócrates não era o cabrão-mor da Venezuela?!
Mas o que é isto?!
Afinal sempre vais pôr a Mãe-Pátria a render, ou não?!

Ó Gaspar!

O consumo de cerveja recuou dez anos, pá!
O consumo de gasolina baixou 10%, pá!
Tu vê-me lá isto, pá!
Andamos a brincar com esta merda, ou quê?!

Encore3

Bartoli/Vivaldi/Gelido Ogni Vena

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Malabaristas, titereiros, jongleurs, versus relapsos, chulos e fadistas

Tanto, é demais
Mas quem esperava outra coisa do Magno padece de ingenuidade.
Mesmo assim, o discurso do vazio de que este mânfio se serve, mantém uma aparência coerente.
Cavaco, anos atrás, na sua intervenção de condenado a propósito da conspiração das escutas montada pelo Lima contra o governo do Sócrates, refugiou-se claramente no discurso desconexo da insânia, alheado de semânticas. É um artista mais fraquito.
Ambos nos tomam por parvos, e o mais grave é que têm razão.
Onde pára a oposição?
A passar-nos a muleta pelos olhos, com o foguetório da moção de censura às políticas de direita?!
Ou anda ainda a farejar o cu do Sócrates?!


Moralidade: A jornalista levou a lição e já foi borda fora, por ter sido decente. E o que este caso ilustra é que, a um poder de malabaristas, titereiros e jongleurs, quando não de assaltantes de estrada, nós respondemos como relapsos tristes, chulos e fadistas.
É assim que eles nos querem. A repetir há séculos este filme!

No bom caminho

O solo em que têm vicejado as elites partidárias helénicas é por certo tão friável como cá. As mesclas serão parecidas.
Mas a Nova Democracia dum senhor chamado Samaras, que agora formou governo, esteve na primeira linha das batalhas que empurraram os gregos para as termópilas de agora, as que são deles e as nossas: nos negócios com submarinos alemães, com blindados holandeses, com aviões e mísseis dos gauleses, e restante parafernália; e foi ainda essa gente que pagou ao Goldman-Sachs os preciosos conselhos para aldrabar as contas públicas, enganar os parceiros e entrar no grupo do Euro.
Agora a Grécia e os gregos estão no bom caminho. A mim sempre me constou que uma boa mordedura, com o pêlo do mesmo cão é que se cura.

Ódios velhos

Não tenho por que impedir-me de replicar aqui um texto em tempos apresentado no velho Aspirina B. Ainda me lembro do prazer que isso me deu. A imagem foi patrocínio do Fernando Venâncio.


Chegavam sempre no começo do outono, quando os corvos passavam ao fim da tarde, a grasnar às frialdades que vinham de Além-Douro. Interrompiam-nos a bola no terreiro, saltavam das carripanas escuras, abriam as gaiolas das matilhas. E caíam nos braços dum lavrador lá do povo, inchado por ter amigos na cidade. Soltavam palavrões que eu julgava proibidos, numa língua esquisita de pagãos, e escarravam muito pelo chão.
Manhã cedo faziam-se aos caminhos, de espingarda na ombreira, a açular a canzoada. E não havia brejo em todo o vale inteiro que escapasse à invasão. O cainçar dos podengos ouvia-se nas quebradas, e os ecos da fuzilada faziam ricochete nas encostas do vale, monte cá, monte lá, até ao cair da noite.
Retiravam-se ao terceiro dia, com as grelhas de metal enfeitadas de perdizes a largar nuvens de penas, e rosários de coelhos a pendular nos telhados das carripanas escuras.
Hoje vivemos paredes-meias. Os palavrões já me são familiares, e ao sotaque de pagãos acostumei-me aos poucos. Mas não sei como indultá-los do olhar morto das lebres, enforcadas nas janelas, a mandarem-me corrê-los à pedrada.

Não se pode ser mais claro! E foi daqui que tudo nasceu, na América, uma vez...


Banksters


 Os bancos portugueses estão sem dinheiro e perderam a credibilidade. Limitam-se agora a sugar os recursos duma economia que deviam apoiar mas apenas parasitam.
Estão hoje, na generalidade, descapitalizados. A abarrotar com créditos incobráveis, os bancos escondem ainda uma bolha imobiliária gigantesca, resultante de empréstimos mal concedidos e até arbitrários.
Depois de anos de má gestão e escândalos, os bancos estão agora de mão estendida. Mais uma vez, o estado português virá em seu auxílio, desviando recursos da economia real. Dos 78 mil milhões recebidos da troika, cerca de quinze por cento destinam-se a apoiar a banca. E adivinha-se que nem sequer será pela via de empréstimos, pois os bancos não quererão devolver o dinheiro. Será em alguns casos sob a forma de aumento de capital, mas sem que o estado sequer intervenha na gestão. O estado paga, mas não manda.
Estas situações de favorecimento ao sector financeiro só são possíveis porque os banqueiros dominam a vida política em Portugal. É da banca privada que saem muitos dos destacados políticos, ministros e deputados. E é também nos bancos que se asilam muitos ex--políticos.
Alguns, mais promíscuos, mantêm ligações ao sector financeiro em simultâneo com o desempenho de funções públicas. Há situações que assumem mesmo foro de indecência, como a de Vera Jardim, que acumulava a presidência da comissão parlamentar de combate à corrupção com a superintendência do Banco Bilbao Viscaya; ou a do deputado Frasquilho, que integra o grupo encarregado de fiscalizar o plano de assistência financeira e trabalha no BES, potencial beneficiário desse mesmo programa. Até na supervisão, o insuspeito Banco de Portugal acolhe nos seus órgãos sociais celebridades ligadas à banca privada, como António de Sousa ou Almerindo Marques. Incumbidos de se pronunciarem sobre a actividade do banco central, controlam a entidade que supervisiona o sector onde trabalham.
Com estas artimanhas, os banqueiros dominam a vida política, garantem cumplicidade de governos, neutralizam a regulação. Têm o caminho livre para sugar os parcos recursos que restam. Já não são banqueiros, parecem gangsters, ou seja, banksters.
  
Paulo Morais
Correio da Manhã.19Junho2012

A ERC, finalmente

Havemos de lá voltar. Mas o Magno merece, para já, serviços distintos com palma. Aqui lhe fica a medalha.
Considera ele que houve uma pressão inadmissível (do Relvas sobre o jornal), mas não uma pressão ilícita.
E nós podemos finalmente sossegar. Concluindo, com toda a segurança, que o Relvas mastiga jornalistas mas não os engole.

Meio dia na padaria

Muitas clientes esticam o dedo, escolhem o pão, recusam este por cóscoro, aquele por mais cozido.
Uma delas vai mais longe e perguntou à padeira:
- É fresco, o pão?!
Eu juro que a mandava bardamerda.

A chuva mudou-se para o bairro do Relvas...

... e encheu de lama a soleira do pobre. Uufff!

Encore2

Vai chover! 
Mas deslocando o cursor, muda a paisagem e o lied. São três.

Manhã no médico

Ampla sala de espera. Vasta e díspar freguesia.

- Tamos no tempo da senhora do cobre! Ganhas dez e gastas nove!
- Passou a era da senhora do bronze! Ganhavas dez e gastavas onze! 


Há silêncio, assim seja, cai o pano. 

Pastiche do Al Berto

O odor 
asséptico e picante
de um corredor de clínica


O hálito
plástico e pimenta
de uma hortelã de cautchu


O roçagar
sofisticado e leve
de uma unha lacada de marron


O decúbito
inestético e dorsal
de uma ortopédica cama de partos


A opção
grotesca e transcendente
de ganhar ou perder celulite


O desperdício
fulgurante e metálico
dos 300 cavalos de um motor


O tédio
antropológico e letal
de não haver mais emoções a haver


A juventude
neutra e requentada
dum seio recauchutado a silicone


A mansidão
nostálgica e raivosa
dum rio em caixilhos de betão


A servidão
estúpida e contente
de te afirmares livre sendo escravo

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Tem paciência!

Vai aqui ver!
Há por aí uns maduros, (de quem ainda havemos de falar), que aproveitam a saída das miúdas dos liceus para abrir as abas da gabardina, mostrarem-lhes o escroto, e exibirem estes troféus, como justificação histórica: dum passado glorioso, do ímpeto desta raça que matou no peito o Velho do Restelo, do nosso universalismo visionário, duma identidade planetária, da vitória final sobre os adamastores, dos novos mundos ao mundo, do início da globalização que o mundo ainda nos está a dever, da Internet que o Albuquerque inventou, por certo conhecerás a epopeia!
Vai ver aquilo que por lá ficou, em troca duma história digna, em troca do sangue das nossas veias, em troca da vida dos nossos filhos e da nossa alma.
Se sentires inchar o peito dum orgulho patriota, só te resta ir amanhã abrir as abas da gabardina às miúdas do liceu. E exibir-lhes o teu adamastor embalsamado.

Ecos - 7***

O jagudi de pescoço pelado, indígena dos pântanos, poisou no galho escasso do embondeiro. O soldado de infantaria vinha cansado no coice do pelotão, ajeitou a bazuca no capim e estendeu-se à sombra do jagudi.
O pássaro ficou a debicar a última perna dum caranguejo do lodo, e o atirador abriu uma lata de sardinhas que tirou do bornal.
- Mais me valia um pássaro na mão! – disse o soldado de infantaria.
- Antes te acudiram dois a voar! – disse o jagudi dos pântanos.
E assim ficaram. Mas quando o soldado atirador deu um piparote na lata vazia, um raio de sol fez ricochete no fundo da lata e regressou ao infinito.
Atentos ao sinal estavam dois bombardeiros de focinho comprido, que patrulhavam as nuvens e tinham ordens para abater tudo quanto mexesse. Vieram como duas setas, de nariz esticado e sorrateiro, rasgaram o ar por cima do embondeiro e largaram as duas bombas de napalm.
Iguaizinhos na vida, o jagudi e o soldado de infantaria mantiveram-se idênticos na morte. Só divergiam na metafísica.
***Eco de 2002 

Aprender...

...aprender, aprender sempre!

Depois não te queixes

Porque então o parvo és tu!

O rebanho e o sono dele

Este pulha dispara o canhangulo.
Mas logo esconde o dedo do gatilho e afivela a máscara dum riso paternal, para acautelar o sono do rebanho

Honni soit!

Verdade que eu não sabia, mas o VII Congresso de Sociologia a decorrer no Porto vem pôr as coisas no são.
Diz quem sabe que, nos casos de ruptura conjugal, elas vêem na "falta de comunicação" um dos principais motivos. Já eles alegam a "ausência de amor".
Elas queixam-se de violência física. Eles falam de desacordos de ordem financeira.
Elas pelo menos lêem blogues. Já sobre eles... há omissão dos congressistas.

Ai os filhos da puta!

O Bloco dito de Esquerda, que ajudou a estender a passadeira aos Relvas e apresentou uma moção de censura ao governo anterior, anda agora com água pela barba por causa das chagas do desemprego e da precariedade.
Luís Fazenda, maoísta reciclado e líder parlamentar, desafia o Relvas a dar um passo atrás nas alterações que tem feito em matéria laboral, e reponha aquilo que eram as condições da legislação pré-governo PSD/CDS.
Diz ele que o agendamento potestativo visa pôr o dedo nesta ferida. E mais acrescenta não ser aceitável que haja apoios à banca, e ao mesmo tempo sejam reduzidos os subsídios de desemprego.
Com oposições deste calibre, muito bem fazemos nós em bater palmas ao Relvas! É um vigarista pior do que parece. Mas sabe mais da poda, enquanto dorme, do que as oposições todas acordadas.

Ai coño!

Um dia bom para ti!

Fabulário - 7

Cinzento amanhece o dia.
E já reclamam em lágrimas
As folhas do limoeiro.

Arte Pública - 2

[foto pilhada a D.B.]

Pastiche do Garrett

Não sei que mais deteste!
Se o dia em que à tardinha me nasceste
a cintilar, ingénua e descuidada,
ou se a fatal e breve madrugada
em que, de mim cansada, 
ao teu ocaso de estrela recolheste.


Se o pouco que te tive,
se o quanto me tiveste,
não sei que mais deteste.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Replay

Desde o dia do baptismo até hoje, o PPD nunca teve, em momento nenhum da sua história, qualquer projecto criador para Portugal, que fosse além do mero exercício do poder, e do usufruto das benesses e prebendas dele.
Pastaram nele e na nossa paciência, placidamente, gerações de barões enfatuados, de escroques oportunistas, de maoístas reciclados, e por fim de aventureiros iletrados e pouco responsáveis, que vão deixar Portugal no fio. O resto foram ingénuos figurantes.
Herdeiro principal do velho situacionismo, incensado pelos padres, e amamentado pelo antiquíssimo atavismo indígena, o PPD dormiria hoje um sono tranquilo debaixo da labita do extinto regime, se o deixassem lá dormir.
Isto não sou eu que o digo! É o filme todo que o grita, se carregarmos no Replay!

N.B. O facto de por lá terem passado Emídio Guerreiro, Natália Correia e Helena Roseta (et alii?)mostra apenas o albergue que ali vai.

Ena c'um escamartilhão!

O deputado PPD Paulo Rangel, flanando em Bruxelas, depois do 2º golo do CR7:


Deu gosto ver o modo como esta comunidade, assaz grande, festejou nas ruas mais um marco da selecção nacional. 
Uma comunidade que nos enche de orgulho e esperança!

Ecos - 6***


Não queria estar na pele do procurador-geral e ter que desfazer o imbróglio da toureirada comemorativa dos 300 anos do aposento da vila. Eu tinha visto o cartaz no barbeiro, achei estranho prometerem 6 toureiros 6, gordos e lindos, mas deixei-me tentar. Mal sonhava eu no que me estava a meter.
Às cinco da tarde lá fui, munido duma sombra, e a vozeada ensurdecia quando entrei. A bancada, literalmente à cunha, era um estendal de gado comum, com perdão dos bravios ferros fidalgos que também por lá havia, a transpirar trapio. O ambiente era escaldante, segundo atestavam os leques frenéticos, e dois cabrestos penteavam a areia do redondel, enquanto outros dois aspergiam água da rede dos bombeiros. Esgueirei-me para trás dum burladero e fiquei a ver em que paravam as modas.
Eu bem via andar por ali um touro espaventoso, a muletar chicuelinas, e um cavalo a desenhar volteios de aquecimento. Porém, o espanto maior aconteceu ao desaguar no redondel um desgarrado peão em traje de luzes, quando abriram a porta dos curros e a praça inteira vozeou o primeiro olé.
A partir daí não podia ser maior o desconchavo. O cavalo, muito garboso, executava piruetas da escola vienense, enquanto brandia o capote à frente do toureiro, para o arrancar às tábuas. Mas ele refugiava-se desesperadamente na querença natural, e a muito custo saía dos terrenos do curro. O touro, por seu lado, assim que o pobre peão se aventurava nos médios, castigava-o com a sorte da anca aberta, encaixando-lhe vistosas bandarilhas na pescoceira. A bancada ruminava que era um gosto, urrava olés e exigia música.
A certo ponto fez-se um grande silêncio, quando o touro apontava a estocada final e o inteligente se levantou da poltrona. Interrompeu ali mesmo a faena, e convocou de imediato uma reunião tripartida.
Mas já não foi a tempo. O toureiro deu de joelhos, num gesto comovente, e duas mulas arreadas a preceito levaram-no em sangue pela arena, enquanto a afición reclamava as orelhas. Eu pus-me ao fresco, a assobiar o embuçado, não fosse alguém tomar-me por aficionado.
[***Eco de 82]

É pouco

Dou comigo a pensar que um dos males do nosso país é simplesmente a incompetência, a sarna desse princípio de Peter.
Como leitores, seremos exemplares. Mas passamos a escritores e no mais comum dos casos o melhor será esquecer-nos.
Somos exímios a limpar um chão. Se chefiarmos um balcão, a confusão instala-se.
Enquanto somos taratas, tocamos a corneta exemplarmente. Passamos a furriéis e é uma desgraça. 
Dirigimos a nossa freguesia sem reparos. Mas ao subirmos à presidência da câmara falhamos.
Mandamos na secção e é um sucesso. Mas dirigimos a empresa como carniceiros. 
Cumprimos bem ou mal como advogados. Subimos a deputados e é uma vergonha.
Fazemos pela vida lá no bairro, às vezes brilhantemente. Se nos levam a ministros, eu nem me quero lembrar.
Cumprimos a falar de Economia na marquise da travessa do Possolo. Quando nos levam para o palácio de Belém somos um perigo público.
Na movida social e financeira chegamos a ser estrelas. Subimos a chefes do governo e metemos nojo aos cães.
À medida que passam os nossos anos democráticos, pior é o panorama, mais vai baixando a fasquia.
Mas talvez haja duas excepções a esta regra geral, que escapam à sarna da nossa incompetência. 
Na vida pública, é o desempenho da nossa presidenta da Assembleia da República. 
Na vida privada, é a notável prestação dos nossos vigaristas.
Em todo o caso, convenhamos que é pouco.

Encore

Um dia bom!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Balanço da governação

Estes cabrões perderam totalmente a vergonha.
Para não dizer que chegaram à insânia, e andam a pedir a camisa de forças.

Não sei

Encontro-os na caixa do supermercado, sentencio-lhes vinte e oito anos. E logo me salta à vista o mar de silêncio em que naufragam.
Ela manuseia o carrito das compras, onde esperneia um bebé. Ele vai de olhos pregados no ecrã dum telemóvel. Não parece caber lá o futebol da televisão, menos ainda um filme libertino. Mas não sei.
Ela entende-se com a menina da caixa, guarda os plásticos das compras, tira a carteira do saco e estende ao marido um cartãozito vermelho. 
Ele tira os olhos do ecrã  e integra-se na cena. Introduz o cartão no terminal, picota um número secreto, espera breves segundos. Logo o devolve à mulher e mergulha outra vez no telemóvel. 
Explode-me na cabeça a ideia insidiosa de que ela guarda o cartão mas não conhece o código. Suspeito mas não sei.
Lembro-me dum estudo, há tempos, no jornal: uma grande percentagem das jovens escolares alegaram violência relacional. E viam nela manifestação de amor. Eu achei muito estranho, mas não sei.
Partem ambos e deixam-me a pergunta envinagrada: de que estarão à espera estas mulheres, para começar a pôr os cornos aos maridos? Ou já terão começado?! Não é nada comigo, mas não sei.   

Catequese profana de uso comum

A estultícia escancara-te as portas do inferno.
A ingenuidade condena-te à geena.
A arrogância empurra-te lá para dentro.
Se a todas juntares a ignorância, ficas lá para a eternidade.

Moralidade: Só o conhecimento e a humildade apontam a salvação. Mas não garantem.

Phoska-se!

Do jornal Bild, aos eleitores gregos:

"Os vossos Multibancos continuam a entregar-vos Euros, só porque nós os lá pomos, os alemães e os outros países do euro. Se as eleições forem ganhas por partidos que pretendem acabar com a austeridade e as reformas, nós deixaremos de pagar. (...) E tememos seriamente que vocês ainda não tenham percebido isso."
 
Desde o delírio dum Führer que já morreu, não se ouvia, em Berlim, ladrar assim.

Um crucifixo uma ardósia um Salazar e um Carmona

Nas escolas, há alunos em exames. E alguns vão fazê-los em contentores anexos, porque a Parque Escolar, esse antro de ladrões, parou as obras de remodelação em dezenas de edifícios degradados, a mando do ilustrado governo do Passos e do Relvas. Nem no próximo ano lectivo estarão prontos.
Não posso concordar mais com o talhante de professores, o Crato. A ministra sinistra, e o cabrão do Sócrates, é que andaram aí a desperdiçar o nosso dinheiro em escolas novas, decentes e modernas. Mas os portugueses não as precisam para nada.
Eu, por exemplo, fiz a instrução primária numa sala duma casa duma aldeia, onde morava a professora e a criada, e os perús, e um par de porcos bem gordos. Viviam lá também um crucifixo e um mapa, uma ardósia, um Salazar e um Carmona. E o fantasma dum Navegador que nos metia medo. Quando era preciso acender a escalfeta, levávamos lenha de casa. Mas a escola era-nos mais que bastante, e eu fiz um belo exame da 4ª classe, com distinção e tudo.
Foi sorte minha, ter uma escola assim! Se o comité central do Nogueira dos bigodes tivesse tido uma igual, não andava agora a iludir-nos a todos, e a fingir guerras às políticas de direita!

Fabulário - 7

Que diremos do mar que sulcaram antanho
antigas caravelas? O mar é indizível
sem as dunas da margem que pisamos.

domingo, 17 de junho de 2012

Encore1

Bartoli - Händel -Lascia la spina

Nicht noch einmal!

Outra vez não!!!
Assim dito em alemão soa duplamente bem.

Uma prisa de sal?!

Vai ver ali!

Antigos ou modernos

Ouvir AQUI, ou ALI, ou ACOLÁ! É só escolher e lamber as beiçolas!
Mais clássicos, mais ligeiros, mais assim ou mais assado, mais deitado ou mais de pé, nesta versão ou naquela, a cheirar a perfume ou a catinga!
Mas nunca baixar a guarda, porra!
[parasitado a RAA]

Isto anda bonito

Lá isso anda!

Pastiche do O'neill

Para o caso de voltar a encontrar-te
vou já meter no bolso uma pistola de plástico.
Quantas vezes uma boa pistolada
desferida na justa encruzilhada
faz e desfaz projectos de união
(ai Deus permita!)
ata e desata nós no coração
(diz-me que sim, Virgem bendita!)
ao bom caminho leva as almas de eleição.

Por um fútil nada
trocas a felicidade assegurada!
Por um golpe de vento
pela simples aventura dum momento
desprezas este bairro fora da cidade
e afogas-me em tormento!

Eu sei que vais voltar ao cinema de sábado
aonde lágrimas tuas me alagaram o ombro
naquelas fitas de "antes quero morrer!"
que tantas vezes me levaste a ver.
Embosco-te à saída com ar desesperado
e altivo e desprendido
hei-de encostar o bacamarte ao ouvido.

Não podes negar-me em tal aflição
a súplica dum pavor
quiçá uma compaixão.
E assim talvez eu possa dar a volta às coisas
e dispô-las de novo a meu favor
no teu lagriamante coração.

sábado, 16 de junho de 2012

Arte Pública - 1

[foto pilhada a D.B.]

Os trafulhas merceeiros

O Passos Coelho é um iletrado que anda agora a aprender a gramática e uns tiques de retórica. Mas nasceu com o cu para a lua, numa noite dum sertão.
A sua sorte maior deve-a ele a uma fada-madrinha. É o Marco António Costa, um rapaz pequeno que usa barbas. Estava há uns tempos à janela a ver passar o tempo, viu passar o cavalo do poder (como dizia o outro), e foi dali esporear o Passos:
- Ou tens eleições no país ou no partido, é só escolher!
Ora foder por foder, que se foda o país, decidiu logo o inspirado Passos. Depois foi só aldrabar a história do PEC IV, provocar eleições no país e ganhá-las. Isto para não ter eleições no partido, que por certo perderia. E tudo isto passa por natural, num vetusto país de indigentes muito antigos.
Foi assim que um simples passe de mágica pôs tudo na mão do Passos:
- um governo onde não falta o Relvas e o Gaspar: um serve de bête-noire que reserva o odioso das funções, tem estômago amoldado; o outro faz o papel do podengo, que foi copiar a uns livros a selvajaria ideológica e lhe monta uma guarda salivante;
- um presidente sem honra nem vergonha, que lhe desbrava o terreno, enquanto vai largando flares pelo ar, para confundir os mísseis inimigos;
- uma maioria que lhe garante afável apoio parlamentar;
- uma oposição de mansos, que esgrime salamaleques e volteios, quando não se diverte em fogos de artifício;
- e finalmente a inigualável troica, um papão culpado de impor por fora todas as malfeitorias.
É o que se passa com a reforma judicial, que extingue 54 tribunais no interior.
Ora os portugueses do interior já não tinham padre, que os não há.
Já não tinham escola, que fechou.
Já não tinham presidente da junta de freguesia, mais de mil deles serão extintos no Verão.
Já não dispunham de médico à mão, por ser um desperdício caro, um centro de saúde.
Já não tinham comboios, que as linhas deficitárias foram abandonadas, e as restantes são terreno de manobras do sindicato dos maquinistas.
Agora vão ficar sem tribunal, por causa da poupança de recursos.
Do conceito de país, só ficam os portugueses com uma bandeira desbotada, para a enforcar num pau. Mas a senhora ministra da Justiça já mandou esclarecer que a reforma judicial vai potenciar a consolidação do interior do território nacional. É assim a linguagem deles.
Nesta contabilidade de merceeiros trafulhas, há séculos que Portugal inteiro, governado pelos avós deles, só tem dado prejuízos. Mas eles sabem-no bem e não querem outra coisa. Alimentaram-se disso e sempre nos culparam, que comemos demais e somos burros. Mas nunca o disseram tão clarinho como agora. E surpreenderam o comité central, que não estava à espera disto.

Sabes o que é o dinheiro?

Vai ali aprender alguma coisa!

Felizmente nem sempre!

Mais depressa se encontra um trafulha do que um homem.

Ecos - 5***

Há-de haver uns três meses, dormia eu a sesta sossegada debaixo do caramanchão, eis que um cheiro a pólvora me estremunhou. Havia uma grande fumarada no ar, e o silvo dos estilhaços punha num badanal a atmosfera celestial da tarde. Vai-se a ver, tinha-me caído um míssil no quintal.
O laboratório analisou os fragmentos e arredou depressa qualquer dúvida. A minha nespereira apanhara em cheio com um daqueles falos voadores que os submarinos da américa ejaculam por tudo quanto é sítio, quando lhes acirram os solenoides.
Aos protestos da minha diplomacia respondeu o pentágono com um pedido de desculpas. Que não era fácil o papel de xerifar o mundo inteiro já eu sabia. Ainda me lembro muito bem dos livros de cobóis, e da trabalheira que só o texas dava aos heróis da pradaria. Mas não podia deixar sem protesto as falhas duma tecnologia que não tinha aprendido a poupar inocentes. Os esquimós do fujiama passavam a vida a queixar-se, e mesmo a tia adozinda apanhara uma vez com um desses pénis transviados em cima.
O pentágono conciliou. Que mandaria substituir todas as cabeças de mísseis incapazes de fazer um selecção positiva dos culpados. Os tipos da inteligência artificial já estavam a construir ogivas bem pensantes, aptas a reagir a sentimentos de culpa.
E parece que deixou de haver razões de queixa. Aqui há dias foi despachado um míssil tomavaque, a reprimir a barbárie dos hunos. O míssil deu a volta à tartária, esquadrinhou meio mundo, e acabou a despenhar-se ruidosamente na fachada da casa branca. A televisão estava lá, viu-se perfeitamente uma funcionária jovem a vestir à pressa o robe de chambre, no meio dos destroços.
***Eco de 2002

Bajo los Tilos

A Geografia não o diz abertamente, porque não quer a História badalada. Mas a avenida Unter den Linden, em Berlim, é a mais comprida do mundo. Vai desde a Pariser Platz até chegar ao cavalo de Frederico II, lá ao fundo. Uma jornada esgotante, há muitos séculos!
A primeira vez que a vi, chamava-lhe Gabi Bajo los Tilos. Mas as tílias da avenida eram pequenas e decepcionaram-me. Tinham sido plantadas há poucos anos, depois que as mães foram levadas pelo povo, para se aquecer no meio das ruínas no desgraçado inverno de 46.
A última vez que as vi já eram bem redondas. E hoje estarão imponentes, não sei bem, há muito que as não vejo, pena minha.
Oxalá tenham voltado à majestade antiga. Não vá o povo outra vez precisar delas, para acender uma velha fogueira nas ruínas novas.

Já somos BIC!

[clicando vê-se]
 O BPN desertou daqui do largo. E saudades deixa poucas, que a seis mil milhões já sobem os calotes. Mas deixou atrás um BIC. E alguns ecos duma frase eufórica, que ganhou lugar na história da miséria:
- Já sou ministro, meu pai!
Sempre que regressa ao largo, o seu autor faz inveja ao filho pródigo. E como queremos nós chegar à terra prometida, se assim gastamos o melhor da vida a encomendar missas negras ao bezerro de ouro?

Artistas

Assim do pé para a mão, estou a lembrar-me de dois, deixo-os aqui para a troca:
Um é o eng. Ferreira do Amaral, que tem marca registada como pai das autoestradas nacionais. Foi ministro das Obras Públicas num governo de Cavaco Silva, e engendrou a primeira PPP, a da ponte Vasco da Gama. Hoje é administrador da construtora, a Lusoponte.
Outro é o eng. Jorge Coelho, que ainda estou a ver na televisão, enquanto ministro das Obras Públicas de Guterres. Perante a majestade da montanha, anunciava eufórico a construcção dum túnel, que havia de ligar a Covilhã a Seia. Ao tempo, as PPP já eram moeda corrente. E ele montou labirintos de autopistas, quem vem do Sul e quiser chegar ao Porto tem três à discrição. Umas à vista das outras. Hoje é administrador da Mota-Engil, uma das mães que as pariram.
Estes os filhos da puta que andam para aí a dizer, que temos exagerado nas contas da mercearia.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Mestre Almada

José de Almada Negreiros foi figura primeira do modernismo português, o único modernismo que Portugal conheceu.
Companheiro de aventuras de Pessoa, foi ensaísta e pintor, foi dramaturgo e palhaço, bailarino, provocador, histrião, iconoclasta, foi poeta e romancista. Foi quem criou os painéis do Cais da Rocha.
Um dos pesos mais pesados e integrais da cultura portuguesa, levaram-no à televisão uma única vez, em 1969, no programa Zip-Zip. Em 1970 estava morto.
Há quem o tenha acusado de cumplicidades e pactos com a cultura fascista do Ferro. Os medíocres sectários, ciumentos e instalados, para os quais ao estômago do artista verdadeiro pode muito bem bastar a farinha da Caritas, se faltarem os apoios do Banco Alimentar.

Regras do ouro

Diz-se que há ouro em abundância no subsolo de Boa Fé, em Évora. Só se queixa o presidente da junta de freguesia, que pelos vistos não foi informado.
O que nos vale a nós é a clarividência e a lucidez do Relvas. Que não perde tempo com presidentes de junta, essa coisa excedentária. Está farto de saber que um bom segredo é a alma do negócio, e conhece muito bem as regras do ouro.

Petardos de carnaval

Há um ano e meio atrás, o comité central estendeu a mão à canalha política mais iletrada e perigosa e decadente de que há memória, e votou contra o PEC IV. Poderia muito bem ter-se abstido, mas não lhe bastou tão pouco. Na sua luta contra as políticas de direita, forçou a queda do governo de Sócrates. Seguindo exactamente o mesmo pensamento, que na década de 30 do século passado acabou por servir o ascenso do nazismo na Alemanha.
Para o comité central ainda hoje o PS é uma coisa igual ao PPD, se não for bem pior. Por isso estendeu a passadeira aos Relvas, e ajudou a abrir as portas do abismo. Agora vai apresentar uma moção de censura no parlamento, contra as políticas de direita que combate.
Com tais gestos, por gratuitos e inconsequentes, podem bem as políticas de direita, que se fartam de rir e com razão. Quem é que leva a sério um combatente que se apresenta no campo de batalha com dois petardos de carnaval na cartucheira, e uma metralhadora de brincar em bandoleira?!

Adenda:
O Nogueira, que se entretém agora com fogos de artifício, leva à penhora num tribunal o palácio das Laranjeiras, do ministério da Educação. Reivindica um pagamento aos professores, de que o talhante Crato nem quer ouvir falar.
Se não fosse tão grande a tristeza, tudo isto dava para rir.

Fabulário - 6

 

Tropeçando em pedras, em raízes de urzes,
baixa da montanha o regatinho.
Tão difícil é chegar a rio!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Se o fizer!

As coisas estão ditas. AQUI! São claras e fazem sentido.
Que nunca doam as mãos a quem incumbe manejar o arrocho. Se o fizer.

É mentira!

Vem aí a Conferência do Rio, em busca dum compromisso para o ambiente.
E em boa hora vem, porque a bomba populacional, o consumismo aditivo, a exaustão de recursos, as agressões ambientais, a paranóia do mercado...
Claro que a mãe-natureza limita-se às suas leis. Despacha-nos para uma ETAR qualquer, e continua impávida e serena.
As cliques que mandam na nossa vida, desde os patrões até aos serviçais, não desconhecem nada disso. Sabem bem que o crescimento à maneira passada é uma utopia, salvo algum precário fogacho, sempre trôpego e fugaz. Sabem bem que a salvação só existe num modo de vida diferente, cujos contornos ainda não estão de pé. Em que as comunidades humanas poderão subsistir e desenvolver-se, sem crescer.
Sabem-no mas não o dizem, provavelmente por não poderem. É que se eliminavam a si próprias, e o seu plano não passa por aí.
Por isso metralham-nos a cabeça com competitividade, e crescimento, e retoma. Que eles anunciam para muito breve, e nos hão-de trazer um salário outra vez. Mas é mentira.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ecos - 4***

O maurício picapau foi tipógrafo durante um ror de anos. Fartou-se de esquadriar linguados no linótipo, já via tudo mais pardo que o chumbo dos caracteres. Costumava passar todos os dias no jardim de são lázaro, abria os olhos para o céu alto e deleitava-se com a majestade das copas das tílias. Pareciam mesmo árvores da pomerânia.
De há uns tempos para cá começou a andar de cabeça baixa e ar consumido. Os computadores entraram na gráfica ideal e desataram a fazer o trabalho com uma prontidão nunca vista. Primeiro o maurício ficou regalado, depois ficou perplexo, e finalmente aflito. Mas o pior sucedeu no dia em que o patrão falou da flexibilização do trabalho pela primeira vez. O rapaz levou o lenço tabaqueiro aos olhos, talvez para estancar uma emoção inoportuna, e deu conta de que estava a crescer-lhe um bico na ponta do nariz.
A situação agravou-se com o tempo, à medida que o patrão entrou a falar de globalização, de deslocalização e de coisas assim. O bico do nariz cresceu-lhe descontroladamente, e o velho tipógrafo acabou mesmo despedido, por clara inadequação para o serviço.
Depois disso, o picapau continuou a fazer todos os dias o trajecto de sempre, mas nunca mais foi além do jardim de são lázaro. Mirava de longe os velhos reformados que lhe estranhavam a fisionomia, às vezes subia o olhar pela majestade das tílias e pensava na família, pensava na ordem de despejo por falha da renda, pensava numa solução para a vida. Até quer um dia deixou avançar a tarde, marinhou pela tília mais alta, e passou a noite a escavar uma toca numa forquilha aconchegada.
Na manhã seguinte mudou-se para lá com a mulher. A entrada é acanhada, de tão redonda, e o nariz é complicado de arrumar lá dentro. Mas há males que vêm por bem, com este inverno de chuva que anda por aí.
*** Eco de 2002.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Pobres e ricos

Leio  no Pinhel Falcão que o lugar dos Cótimos é... a Fátima dos pobres! Já que, nos passados dias 12 e 13 de Maio, pelos caminhos da Serra de S. Pedro (...) passaram grupos de peregrinos em direcção à povoação, para assistirem à procissão (...).
Bem me tinha a mim parecido que eram ricos, uns peregrinos que nesse dia encontrei já pertinho de Alcaria dos Javazes, a trotar a pé para Fátima, ali à Cova da Iria! Vinham dos Cótimos, e vão lá todos os anos!

À la minuta!

Um retrato de Passos Coelho. Tipo passe! Imagina-me só um corpo inteiro!

domingo, 10 de junho de 2012

Resgate de Espanha? Ou só dos bancos dela!

Eu estou como dizia o outro, também não percebo nada de finanças!
Mas duas coisas me cheiram.
A primeira é que o caldo, na panela europeia, vai azedar a sério.
A segunda é que a máscara (já triste, mas enfim!) do Cavaco, deste governo, deste PPD e restante canalha, vai começar a cair.
As suas golpadas e trapaças de há um ano, que levaram às eleiçoes, as suas campanhas inauditas de anos a fio dum ódio paranóico centrado num só homem, que era primeiro-ministro, só vingaram e só se aguentam com a nossa ignorância, a nossa iliteracia, a nossa confusão e o nosso desinteresse.
Vai perceber-se melhor que o derrube do governo de Sócrates, no ponto em que as coisas então estavam, foi uma traição ao país e um profundo dano para os portugueses.
Vai entender-se por que motivos o banqueiro Espírito Santo passou pela reunião do PPD, onde se decidiu então, pretextando invenções, recusar o PEC IV e forçar Sócrates à renúncia.
Vai perceber-se melhor que o verdadeiro busílis desta desgraça toda nunca foi o viver do povo acima das possibilidades.
Vai perceber-se melhor que o verdadeiro busílis foi sempre outro: como pôr o povo a pagar os desmandos irresponsáveis dos financeiros, dos tubarões magnatas, dos banqueiros gananciosos, esses mesmos que na Wall Street e na City geraram os vírus que alastraram ao mundo em 2008 com o sub-prime, e infectaram o equilíbrio financeiro, arruinaram as economias, levaram a Islândia à glória, e a Irlanda, e a Grécia, e Portugal, e agora a Espanha, e os outros que se seguem.
Vai perceber-se melhor que o verdadeiro objectivo desta gente esteve apenas em convencer-nos de que nós é que somos responsáveis pela fome a que eles nos condenam, porque gastámos demais.
E vai tornar-se cada vez mais claro que este bando de canalha que à falsa-fé nos chegou ao governo, nunca teve um desígnio para o país, nem um programa para a vida deles, quanto mais para a nossa. O que teve sempre foi o papel de, a pretexto das imposições da troica, cuja presença exigiu e de que precisava como de pão para a boca, a tal pretexto retirar direitos ao trabalho, diminuir salários já precários, desregular contratos colectivos, criar desemprego e desintegração social, isolar cada trabalhador no seu próprio desespero e torná-lo indefeso, dissimular os interesses do capital e arruinar as funções do Estado que são a única defesa dum povo miserável, na escola pública, no centro de saúde, na assistência social. Fazer a pretexto da troica aquilo que não podia fazer por si: inverter o Abril que aí passou.
Vai ser mais claro que esta gente não tem como programa governar para construir um país, muito menos em democracia e liberdade, mas governar para implantar uma ideologia em que cada um está entregue a si próprio, e todos nós ao serviço de um não localizado poder total e absoluto.
Vai ser mais claro que esta gente vem apenas dar continuidade a um processo ideológico que começou com Reagan nos anos 80 (em meses desarmou completamente os sindicatos da aviação civil, ainda hoje na América um comandante de bordo ou o controlador de tráfego arranjam segundo emprego para sobreviver, desregulou, liberalizou, desindustrializou, deslocalizou, transformou Detroit no deserto que é), que começou com Thatcher na mesma altura (em 6 meses destruiu os sindicatos mineiros, fora o resto), que começou com a queda do muro em Berlim, o qual representou, enquanto não faliu, o único fire-wall contra a ganância selvagem da finança.
Vai ser mais claro o que esta gente pretende: impor-nos os mesmos princípios e valores que deram origem à catástrofe actual e ao desespero do povo.
Vai ser mais claro que os governos de Sócrates, por mais variados e graves que tenham sido os erros cometidos, não traíram o país nem os portugueses. Quiseram servi-los, e abrir-lhes um futuro que eles nunca tiveram. Por isso mesmo foram queimados lentamente, durante muitos anos, com um ódio persistente, pelas cáfilas várias que há séculos se alimentam da nossa miséria.
E vai também ser mais fácil ver até que ponto uns imbecis que ocupam aí o lugar da oposição, e se dizem adeptos da transformação revolucionária da vida, afinal, quando nós precisamos dum sinal, duma orientação, no momento crucial duma escolha... eles atam-nos as patas num barbante e deixam-nos à porta do talho, como fizeram há um ano atrás.
Vai até ser mais fácil entender as misérias deste PS, que depois de Sócrates preferiu uma direcção de mansos, de encaixados, de falsos cosmopolitas bem comportadinhos. Para nosso mal colectivo, para gáudio desta canalha.
´Vai ser mais fácil começarmos a abrir o entendimento destas coisas todas, depois do ponto em que a Espanha está. Honra lhe seja feita. É que a Espanha é a 4ª economia europeia. E perante o caso dela, os dirigentes da Europa não podem continuar a encanar a perna à rã. Enquanto a Grécia arde. Enquanto os portugueses são assaltados. Enquanto gemem os míseros irlandeses. Enquanto os pequenos são esmagados.
Tem que passar ainda muito tempo, mas eu no lugar do Relvas torcia o nariz. O Passos já começou a ladear, e do Gaspar nem vos conto. É que tudo quanto ele diz contraria o que a Espanha está a fazer.

sábado, 9 de junho de 2012

Gosto deles!


Agradam-me de volta os agapantos. Tão rebeldes e sacanas. Ena tantos! 

Dia das Epopeias, se ainda não voltou a ser Dia da Raça

[clica e logo vês]
Há portugueses extraordinários, ninguém pode negá-lo. Assim de caras podem-se referir dois.
Um deles é o Camões, que a seu tempo escreveu Os Lusíadas, a última epopeia digna desse nome.
O outro é o sr. Fonseca, que meteu na cachimónia as 88.160 sílabas métricas, dos 8.816 versos decassílabos, de todas as 1.102 estrofes dos 10 Cantos do poema.
Pois hoje o sr. Fonseca vai "falá-los" (dizê-los, recitá-los) a todos, de cor, de cabeça e de coração, num espectáculo do Centro Cultural Vila Flor, integrado no não sei quê Guimarães Capital da Cultura 2012. (Óvistes, ó Níbal, aproveita tu a deixa e vai até lá, que alguma coisa aprendes?!).
A pergunta pertinente será de que nos servirão tais extraordinariedades, a epopeia e a recitação dela, o Camões e o sr. Fonseca.
No caso do primeiro, está mais que justificado, se o poema nacional foi o único fruto doce das nossas alucinadas Índias todas. Tudo o mais foram frutos azedos. Com um tantinho de esforço e emoção patrioteira, bem adequada ao dia, quase podia afirmar-se que Os Lusíadas resgatam tamanha desgraça.
Já no caso do segundo, por mais que se ande à roda, não se lhe encontra ponta por onde pegar. E em vez de assim queimar em vão tanto neurónio, melhor faria ele, à saúde do seu corpo e nosso espírito, se baixasse ao terreno e fosse praticar a epopeia da calçada de Alpajares, trotando atrás dum par de burros de almocreve mirandês. A freguesia de Poiares, ali no Mogadouro, organizou-a hoje.

Num gancho do talho

No tempo da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, aqui há dois anos, o sindicalista Mário Nogueira ganhou um lugar na história. A pretexto da necessária e indispensável avaliação dos professores (que não cabem todos no conceito de docentes, porque alguns pouco têm para ensinar), o Napoleão da FENPROF transformou legiões deles numa tropa de choque contra a única ministra que até hoje quis deixar atrás de si alguma coisa de útil, no campo da Educação.
O caso acabou como se sabe. Quando lhe chegou o tempo, toda a oposição na Assembleia mandou para a reciclagem o trabalho normativo laboriosamente erguido. E tudo voltou à casa da partida. O Napoleão invadira a sua Rússia, a qualidade e o futuro da escola pública estavam assegurados, e os professores embandeiraram em arco. Tinham dado cabo do canastro à sinistra.
Mas tiveram pouco tempo para as paradas da vitória. Que cedo viram a sua própria classe, esfolada e indefesa, fragmentada e confusa, pendurada num gancho do talho do novo ministro Crato. Reduzida ao silêncio do mercado e ao desespero.
Agora o Napoleão ninguém o ouve, que a sua Rússia acabou como se sabe, e a escola pública e moderna já tem quem trate dela. Vai mandando a um juiz providências cautelares, a contestar os despachos do talhante. O último deles, vejam só, altera cobardemente a organização dos horários nas escolas, no próximo ano lectivo, sem dizer um água-vai. Isto quando a lei manda que a organização dos horários e os tempos de trabalho dos professores são matéria de negociação obrigatória.
Displicente e tranquilo, pois já Roma desprezava serviçais traidores, o Crato puxa o fio ao cutelo no assentador, e assobia para o ar

Sotaques

Orelhas mais sensíveis à nortada sentenciam como menos adequado o sotaque vernáculo que a espaços se ouve cá em casa. Outras o consideram inconveniente, para só dizer o menos.
Há que pôr a questão em pratos limpos.
Cá em casa há muito respeitinho pela urbanidade, a placidez possível, mesmo a reverência, se tiver que ser.
Mas essa é a segunda prioridade cá em casa.
A primeira prioridade, e grande obrigação, do cidadão que vive na cidade é edificá-la. A cidade. É dar-lhe consistência e corpo. E logo resguardá-la, quando posta em risco. A cidade.
 Cá em casa o cidadão não reconhece obrigação nenhuma de conquistar o céu à custa de sorrisos, que apenas lhe garantem um purgatório qualquer.
Cá em casa repudia-se a agressão em nome da paz na cidade. Rejeita-se a grosseria, mas não se abdica do direito ao insulto, quando a guerra estalou.
Cá em casa o cidadão recebe os assaltantes da cidade a tiro. Metafórico, enquanto puder ser.
Cá em casa aceita-se com naturalidade que em tempo de guerra as armas andem por limpar.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Fabulário - 5

Aos homens farás tu como o esquilos
que descascam os frutos da nogueira.
O que são está lá por dentro.

Postit

É assim há muitos anos!

Vira o disco!

Diz a Cristas que não há dinheiro para mandar parar a barragem do Tua, e indemnizar a EDP pelos trabalhos já feitos. Não me custa nada crer que seja assim.
Diz o SEC da Cultura que o governo não abrirá mão do estatuto de Património Mundial, atribuído pela Unesco à catedral paisagística do Douro Vinhateiro, que a barragem parece vir pôr em causa. Não vejo como tal será possível.
Passamos a inútil vida a virar o mesmo disco e a tocar a mesma cegarrega!
 Aqui há uns anos, num governo de Guterres, ia a meio a barragem do Côa, quando alguém lá descobriu umas cabras picotadas nuns calhaus. Estavam lá, são genuínas, têm pelo menos 20 mil anos, datados pelo carbono 14. Não há que retirar-lhes merecimento histórico e valor cultural.
Mas há uma realidade que cabe na cabeça de qualquer pintassilgo: uma barragem é sempre um compromisso, entre aquilo que se ganha e aquilo que se perde, na sua construção. Sem apelo nem agravo.
Na altura desceram ao campo de batalha verdadeiros exércitos de vanguardistas culturais, de arqueólogos carreiristas, de espíritos bem-pensantes, de visionários com os alforges recheados de boas intenções. E metade do povo acabou mesmo a lacrimejar, que os cavalinhos não sabiam nadar.
O coração de manteiga de Guterres não podia resistir. Entregou 20 milhões à EDP (100 milhões de Euros!) e mandou-a farejar para outro lado.
E no entanto... havia soluções de compromisso. Talvez apenas sofríveis, mas havia, chegou a falar-se delas: manter intocados os auroques submersos, criando modos de acesso que permitiam visioná-los; ou simplesmente deslocar para outro lado os calhaus com painéis. Olha, para o museu que lá construíram num cabeço, e que hoje não passa dum elefante branco inútil e quase sempre vazio, onde pastam placidamente alguns cultores e outros apassionados pela arte rupestre.
O que de mais alimentício e substantivo lá encontra dentro o povo iletrado que nós somos, são as criações contemporâneas que as imagens sugerem, e que o Sarmento e outros pândegos lá deixaram esquecidas, numa sala de exposições temporárias.
  
De modo que a EDP levantou ferro, abandonou num descalabro vergonhoso a paisagem da obra, e foi descobrir rapidamente o vale do Sabor e o do Tua, para esgaravatar uns gramas de energia insignificantes. E em ambos os casos, mas particularmente neste último por razões específicas, a perda irrecuperável causada pela construção da barragem é calamitosa e sem compromisso possível.
Uma das cinco mais belas linhas de montanha da Europa, um monumento único ao trabalho de milhares de homens que nós fomos, e a fizeram à mão há cem anos atrás, é pura e simplesmente inundada. E a EDP promete contratar mais uns pândegos contemporâneos, para pintarem de amarelo os paredões e assim limitarem os danos ambientais.
Eu não sei qual é a solução, no ponto em que as coisas estão. Mas duas coisas sei eu.
A primeira é que não temos salvação, a não ser deitar a casa abaixo e fazer tudo de novo.
A segunda é que merecemos de sobejo uma qualquer tirania. Como esta, que nos pusemos em cima.